Filme: "Sonhos (1990)" - Dicas de Filmes Pela Scheila

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quarta-feira, setembro 07, 2016

Filme: "Sonhos (1990)"

"Porque a noite deveria ser clara como o dia? Eu não gostaria de não conseguir ver as estrelas."

Os japoneses costumam dizer: "eu vi um sonho", e foi exatamente isso que o cineasta Akira Kurosawa - um dos maiores cineastas japoneses e um melhores de todos os tempos - nos ofereceu através desta obra de arte de raríssima beleza. O lançamento aconteceu em 1990, no Festival de Cannes.

"Yume" é uma obra baseada em sonhos verdadeiros que o diretor teve em diferentes momentos de sua vida. São oito sonhos adaptados para o cinema. E como o próprio Akira Kurosawa afirmava: "o filme não é uma transcrição dos sonhos. É uma adaptação de uma obra original, o sonho". Akira anotava todos os seus sonhos, mas não pensava em levá-los ao cinema. Certo dia, porém, ele teve a ideia de transformar alguns dos seus sonhos em filme, e nos presenteou com essa preciosidade em forma de filme.


Primeiro sonho: "A Raposa"

Há uma lenda japonesa, bastante antiga, que diz que as raposas se casam quando a chuva cai enquanto o sol brilha. Neste sonho, Akira, ainda menino, desobedece a mãe e vai à floresta ver o casamento das raposas. 
No entanto, ele é descoberto por uma raposa. Quando retorna para sua casa, sua mãe o impede de entrar em casa e lhe entrega uma pequena espada. O menino então é avisado deve se suicidar porque as raposas estão muito bravas. Então, o garoto sai a caminho das montanhas para cumprir sua missão.

Segundo sonho: "O Jardim dos Pessegueiros"


O Hinamatsuri ocorre na primavera, quando as flores dos pessegueiros estão totalmente abertas, é conhecido também como o Festival das Bonecas. O menino Akira percebe, ao servir chá para as irmãs, que há uma menina estranha na sala, ela foge e ele a segue, e se depara com os pessegueiros da sua casa totalmente cortados, restando somente os tocos. 
Porém, os espíritos dos pessegueiros surgem para ele e, em uma dança melancólica, dizem que as bonecas são colocadas para enfeitar e festejar a florada dos pessegueiros, mas como eles não mais existem naquela casa não fazia sentido a presença das bonecas.

Terceiro sonho: "A Nevasca"

O jovem Akira é o líder de uma expedição, e junto com seu grupo, se vê em meio a uma nevasca. Eles não aguentam mais prosseguir e desmaiam. Aos poucos, o grupo é coberto pela neve, e ninguém mais tem forças para levantar, o que dá a entender que todos estão se entregando à morte. 
Repentinamente surge uma linda mulher que envolve o líder com uma echarpe prata. Ele percebe que ela é a morte. Entretanto, de alguma forma, a mulher não consegue cumprir seu objetivo, e o alpinista resiste ao encanto. Desistindo, ela desaparece em meio aos fortes ventos, e no mesmo instante a nevasca cessa. Ao perceber que o pior já passou, ele consegue se levantar e resgatar todos os outros alpinistas que quase morreram na neve.


Quarto sonho: "O Túnel"

Akira é um oficial do exército japonês que está viajando por uma estrada ao anoitecer. Ao entrar em um túnel, é surpreendido por um cão raivoso. Passado o susto, ele prossegue através do túnel e sai do outro lado, mas então testemunha algo terrível - o yurei (fantasma japonês) de um dos soldados que ele tinha comandado na guerra vem para fora do túnel atrás dele, tendo o rosto, as mãos e as partes visíveis do corpo azuis pela morte. 
O soldado parece não acreditar que ele está morto, mas o oficial o convence a voltar para a escuridão do túnel. Quando o comandante pensa ter visto o pior, o terceiro pelotão que esteve sob seu comando marcha para fora do túnel. Este é um dos três pesadelos retratados no filme.

Quinto sonho: "Corvos"

O jovem Akira está observando os quadros de Van Gogh (Martin Scorsese) num museu, entre eles "O Campo de Trigo com Corvos" e "A ponte de Langlois". Ele entra neste quadro. Atravessa a ponte e encontra o pintor num campo aberto. Van Gogh ao vê-lo pergunta porque ele não está pintando.
O estudante perde a trilha do artista (o qual está sem uma orelha, em referência ao episódio da auto-dilaceração cometida por Van Gogh, e já próximo do fim de sua vida) e viaja através de outros trabalhos tentando encontrá-lo.
É neste sonho que está uma das mais belas falas do filme: "Uma cena que parece pintura não dá pintura. Se olhar com atenção você verá que toda natureza tem sua beleza. Quando encontro esta beleza natural eu simplesmente me perco nela. Então, como num sonho, a cena se pinta sozinha. Eu consumo esta cena natural eu a devoro completamente. Quando termino, a imagem aparece completa diante de mim. Mas é difícil segurá-la aqui dentro."

Sexto sonho: "Monte Fuji em Chamas"

Neste sonho, que na verdade é um pesadelo, o Monte Fuji entra em erupção ao mesmo tempo ocorre um incêndio em uma usina nuclear, provocado por falha humana. pintando o céu com um vermelho horrível e compelindo milhões de cidadãos japoneses a escapar desesperadamente pelo oceano. 
Três adultos (entre eles está Akira) e duas crianças se perdem da multidão. No entanto, logo eles percebem que não tem como fugir da radiação, e a morte é coisa certa.

Sétimo sonho: "O Demônio Chorão"

Neste pesadelo, Akira já adulto, caminha por um lugar ermo e gélido, quando encontra um humano mutante que possui chifre. O "ser abominável" lhe diz que no passado ele era um fazendeiro, mas depois das explosões nucleares devastarem o planeta, ele perambula pelo mundo em busca de paz.
As explosões ocasionaram incontáveis anomalias na natureza, destruição das plantas e o surgimento de espécies mutantes como o dente-de-leão gigante e atrofiado. O mutante leva Akira até o local onde vários mutantes estão concentrados, todos choram de dores provocadas pelos chifres.

Oitavo sonho: "O Povoado dos Moinhos"

Akira é um jovem viajante que encontra em seu caminho um pacato vilarejo. Nesse local não há energia elétrica e nenhum resquício de urbanização. Lá, ele encontro um ancião, muito sábio, que conserta tranquilamente uma roda de água quebrada.
O velho homem transmite belos ensinamentos ao jovem Akira, e enquanto ambos conversam, o viajante pergunta o que eles estão festejando, pois ouve músicas e cantorias, e para sua surpresa, não há festa, mas um enterro. Nesse momento, o ancião abandona seus afazeres e vai acompanhar a procissão.
O sábio, de voz serena, diz uma das mais belas e reflexivas falas do cinema: "Hoje em dia, as pessoas se esquecem de que elas são só uma parte da natureza. Destroem a natureza da qual nossa vida depende. Acham sempre que podem criar algo melhor, sobretudo os estudiosos. Eles podem ser inteligentes, mas a maioria não entende o coração da natureza. Eles só criam coisas que acabam tornando as pessoas infelizes, mesmo assim, orgulham-se tanto de suas invenções. E o que é pior, a maioria das pessoas também se orgulha..."
"Sonhos" é, sem dúvida alguma, o filme mais belo esteticamente que já vi na vida, os cenários bucólicos se assemelham às pinturas feitas em telas. Foi fácil entender como Akira entrou dentro dos quadros de Van Gogh porque eu entrei dentro deste filme, interagi com os personagens, vivi as cenas, algumas desagradáveis, outras adoráveis. E além de toda a beleza visual, o filme possui um conteúdo riquíssimo.

Resumiria o filme como: uma pintura em movimento, uma poesia que desfila diante de nossos olhos, uma crítica social feita em forma de metáforas. Dificilmente haverá outro filme tão belo quanto "Sonhos".  Akira Kurosawa, todos os apreciadores da sétima arte lhe agradecem por ter nos deixado essa joia rara em forma de filme.

Mais detalhes do filme na página do IMDb

Duração: 119 minutos
Categorias: Fantasia, Drama, Clássico
Classificação: 10 anos
Minha Nota: 10,0