quarta-feira, agosto 24, 2016
Filme: O Cavalo de Turim (2011)
Definitivamente, "A Torinói ló" não é um filme comum, muito menos para todos os públicos. É preciso paciência para captar todas as nuances dessa obra-prima do cineasta húngaro Béla Tarr, lançada em 2011. A repetição das cenas é, no mínimo, agoniante. Presenciamos, durante 146 minutos, uma monotonia degradante, pesada, melancólica. Não assista esse filme se estiver triste, porque a narrativa irá te sugar para dentro da história, e lá, o que você encontrará é a degeneração humana.
Refletir sobre o existencial nunca foi tão amargo. Inevitavelmente, acabei penetrando na rotina daquelas pessoas, com suas vidas tão miseráveis, não apenas de pobreza material, mas, principalmente de pobreza espiritual. Naquele casebre havia um vazio insuportável, o silencio desesperador anunciava, em meio aquelas rajadas de vento, que a vida estava morrendo.
No dia 3 de Janeiro de 1889, na localidade de Turim, o filósofo Friedrich Nietzsche sai de casa e presencia por acaso uma situação em que um condutor de carruagem perde a paciência com seu cavalo desobediente, que não quer sair do lugar, e o chicoteia. Em prantos diante desse fato, Nietzsche irrompe na multidão e abraça o animal.
Depois desse acontecimento, Nietzsche é levado de volta para casa, ele fica deitado por dois dias no sofá sem dizer uma única palavra. Depois de finalmente quebrar o silêncio, pronuncia a frase "mãe, eu sou um tolo", voltando a se isolar em uma quietude demente que durará mais de dez anos, até o fim de sua vida.
Após a narrativa, ainda no início da projeção é frisado que não se sabe que fim levou o cavalo. Inicia então a trama, agora fictícia, da vida daquele homem que castigou o cavalo, ao lado de sua filha (Erika Bok). O pai, Ohlsdorfer (Janos Derzsi), será acometido por similar silêncio depois de presenciar o ataque de loucura de Nietzsche.
Agora em casa, a imagem do animal castigado começa a pesar sobre a família, e seu sofrimento será contagioso. A ferida, que de início se encontra apenas na pele do animal, se espalha para o pai e a filha, que absorvem esse sofrimento através de uma dor emocional, espiritual na verdade. Consequentemente, nós espectadores, também absorvemos, em certa parte, o sofrimento dos personagens.
O cavalo é o único meio de sustento dessa família que se encontra isolada da civilização, e a medida que o animal adoece por conta também de sua velhice, o silêncio e a dor vão se tornando companheiros diários da vida do pai e sua filha. Para tornar tudo ainda mais desolador, fortes rajadas de vento constantes deixam a atmosfera do local ainda mais fúnebre. Acabam todos os recursos de sobrevivência e a família fica sem nenhuma perspectiva de vida. O fim está próximo...
"O Cavalo de Turim" é um filme sobre o existencial humano, e durante 6 dias acompanhamos uma rotina mórbida, cada dia que se passa fica mais claro o fato de ambos estarem morrendo aos poucos. Ainda não descobri se mais perturbador neste filme é o silêncio enlouquecedor ou os raros diálogos pessimistas.
E volto a afirmar, é preciso ter muita paciência e saber mergulhar de cabeça na narrativa que possui longos planos-sequência e muitas repetições, mas é o único meio de experimentar em plenitude os estímulos sensoriais presentes no filme. Aqui, arte e filosofia se encontram, se completam ao mesmo tempo que se contradizem, mas no fim quem sai ganhando somos nós, meros espectadores, que vivenciamos uma experiência única. "O Cavalo de Turim" é um filme penetrante, que encalacra na alma.
"
Porque tudo está em ruínas. Tudo está arruinado, mas posso dizer que foram eles que arruinaram e degradaram tudo. Porque esse tipo de cataclisma não viria sem uma inocente ajuda humana. Pelo contrário... Estou falando da mente humana, da sua capacidade de julgar a si mesma. E claro que Deus tem uma mão nisso, ou, ouso dizer: tem parte nisso. E, seja qual for a sua parte, é a criação mais horrível que se pode imaginar."
INTIMISTA; DESCONCERTANTE; DOLOROSO; REFLEXIVO
Duração: 146 minutos
Categorias: Drama
Classificação: 12 anos